Manhã gloriosa, imobilizada na distância, no extremo da caixa de areia branca onde, agachado, anónimo e ascético, envolto em alvos panos e silêncio, está. O pudvém cobre-lhe o escroto e sobraça-lhe as pernas magras e finas de esquálido aracnídeo. No topo o turbante e a barba anciã oscilam na brisa matinal. Principia, então, a enfeitiçar o dia, com exactos gestos rituais. Ergue-se, por fim, plangente e implorativo, o sinuoso som, para revelar, em lentos arabescos, os assombros guardados no sábio cesto de vime. Obedientes, as cobras capelo encenam, à maneira, seu acto, a coberto da enganosa pintura. Húmidas, dardejam ao sol, rápidas, coruscantes e fatais línguas bífidas. Nós, meninos, paralisados de medo e espanto. A esteira irá perde-se no longe da areia, gasto tapete voador voando imóvel no céu profundo da imaginação. Privilegiado observador desta vigília acesa debruando já, de mansinho, as margens do sono. Rui Knopfli