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Voz

Olhamos à volta e não sabemos bem do que se trata. As mãos
estão imóveis há algum tempo. É dentro delas que cabe
tudo o que é nosso. O rumor que chega com o vento torna-se maior
ao repararmos agora nas folhas. Alguém principiou a chamar-nos
e é devagar que repete o mesmo nome, como se houvesse nos olhos
qualquer sombra porque assim é tudo o que se ignora. Ao longe
só ele pôde ver como estão os caminhos separados e as ondas
se dirigem ao encontro de outras praias. Ficou ali suspensa
uma luz desconhecida, agora recortada pela neblina que veio
com a manhã: quem se encontra sozinho talvez conheça melhor
o seu segredo. De novo se fecharam as nossas mãos. Há
uma árvore que desperta com a sua forma pesada e simples.

Fernando Guimarães

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gritas, gritam até que o outro ensurdeça,  até que fique com os pés presos na lama e se esgote. gritas, gritam palavras e frases de uma ordem estéril que nos matará. rasgam os pulmões com cânticos, alucinados,  com uma narrativa estúpida de quem nos crê estúpidos...e seremos? rangem os dentes,  soltam os caninos e farejam a hesitação com o dedo no gatilho, lambem-nos o medo na pele... abrem as gargantas de onde saem línguas como canos apontados ao nosso cérebro,  línguas sibilantes num hálito de enxofre, numa infindável oratória que nos queima a pele, nos rompe a mente. destroem o silêncio. gritam que somos vítimas,  as suas vítimas,  as legítimas,  enquanto desviam o olhar e fecham as órbitas embaciadas para que a realidade não os capture. gritam, gritam e gritam pois enquanto gritam não param,  não pensam, não deixam que ninguém pare, e ninguém pensa. embalam os corações nas bandeiras e nos hinos para conseguirem adormecer,  para que o sono...