Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

A mostrar mensagens de junho, 2008

Cassie´s hand

Allan Jenkins

Não tenhas medo do amor

Não tenhas medo do amor. Pousa a tua mão devagar sobre o peito da terra e sente respirar no seu seio os nomes das coisas que ali estão a crescer: o linho e genciana; as ervilhas-de-cheiro e as campainhas azuis; a menta perfumada para as infusões do verão e a teia de raízes de um pequeno loureiro que se organiza como uma rede de veias na confusão de um corpo. A vida nunca foi só Inverno, nunca foi só bruma e desamparo. Se bem que chova ainda, não te importes: pousa a tua mão devagar sobre o teu peito e ouve o clamor da tempestade que faz ruir os muros: explode no teu coração um amor-perfeito, será doce o seu pólen na corola de um beijo, não tenhas medo, hão-de pedir-to quando chegar a primavera. Maria do Rosário Pedreira

Marga eyelashes

Allan Jenkins

Nahoko´s lips

Allan Jenkins

Diz-me o teu nome

Diz-me o teu nome - agora, que perdi quase tudo, um nome pode ser o princípio de alguma coisa. Escreve-o na minha mão com os teus dedos - como as poeiras se escrevem, irrequietas, nos caminhos e os lobos mancham o lençol da neve com os sinais da sua fome. Sopra-mo no ouvido, como a levares as palavras de um livro para dentro de outro - assim conquista o vento o tímpano das grutas e entra o bafo do verão na casa fria. E, antes de partires, pousa-o nos meus lábios devagar: é um poema açucarado que se derrete na boca e arde como a primeira menta da infância. Ninguém esquece um corpo que teve nos braços um segundo - um nome sim. Maria do Rosário Pedreira

Mona

Allan Jenkins

Daria

Allan Jenkins

Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti

Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti. Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis que alagámos de beijos quando eram outras horas nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse de nós; e leva-o depois para junto do mar, onde possa ser apenas mais um poema - como esses que eu escrevia assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu tinha medo de me deitar só com a tua sombra. Deixa que nos meus braços pousem então as aves (que, como eu, trazem entre as penas a saudades de um verão carregado de paixões). E planta à minha volta uma fiada de rosas brancas que chamem pelas abelhas, e um cordão de árvores que perfurem a noite - porque a morte deve ser clara como o sal na bainha das ondas, e a cegueira sempre me assustou (e eu já ceguei de amor, mas não contes a ninguém que foi por ti). Quando eu morrer, deixa-me a ver o mar do alto de um rochedo e não chores, nem toques com os teus lábios a minha boca fria. E promete-me que rasgas os meus versos em pedaços tão pequ

Elisabeth

Allan Jenkins

Faceless

Manuel Librodo

Há crianças nas árvores que absorvem a noite

Há crianças nas árvores que absorvem a noite, enquanto as estrelas caiem frias no chão, e a luz se esvai pela terra em caminhos húmidos. As crianças que levam os fins dos dias, e correm ensurdecedoras e felizes, prenunciam a noite no sibilar das folhas, e encerram as janelas nas paredes, e nos quartos, verdes e ásperos, um cheiro de éter escorre. Há crianças nas árvores que absorvem a luz pálida da manhã próxima, um dia já fora do nosso alcance. alma

Domingo no mundo | 20

Valencia, 1952 Elliott Erwitt

Quando te dói a alma

Quando estás descontente, quando perdes a calma e odeias toda a gente, quando te dói a alma, quando sentes, cruel, o prazer da vingança, quando um sabor a fel te proíbe a esperança, quando as larvas do tédio te embotam os sentidos, e o mal é sem remédio e a ninguém dás ouvidos, nega, recusa a dor, abandona o deserto das almas sem amor e mergulha o olhar em tudo o que está certo, o mar, a fonte, a flor. Fernanda de Castro retirado do blog fernanda de castro

(Floating)

Christina Sealy

Acordo com o medo do frio que a tua mão me leva ao respirar

Acordo com o medo do frio que a tua mão me leva ao respirar. No meu ventre aberto as tuas asas batem furiosas e o meu peito pára. Cruzo as mãos sobre as águas salgadas onde os bicos dos pássaros mergulham, agudos e ácidos, levando-me nas dores que já não são minhas. Sopram-me rasgadamente pelo ar cinza irrespirável, e não há tréguas, nem perdão. Existe sim um fim súbito, recusado e prolongado, e a alma escurecida e culpada, sobrevive. alma

À luz da lua | 24

The newborn Georges de la Tour

(Wendy)

Christina Sealey

meu amor, meu quente marulhar

meu amor, meu quente marulhar das águas ancestrais, meu alvoroço terno das manhãs, há um vaporzinho no ar percorro a linha fina do teu corpo, o seu desenho ainda ensonado, e és para mim toda a realidade nesse instante. há roupas, sim. roupas que vais vestindo, algum creme que pões, uma cama desfeita, um leve baloiçar das árvores lá fora e o sol de inverno a alastrar nas vinhas. Vasco Graça Moura

(Study 2), (Study 3)

Christina Sealy

Sleeping women

Colin Watson

O tempo que o sono come

O verde gelou, e as almas perdem-se rasteiras, sonâmbulas. Tudo agora tão branco e esquelético, e um cheiro a incenso e alfazema, como se estivessemos guardados, desde sempre, numa gaveta. A madeira range quando pensamos respirar, como um aviso, uma ameaça velada, e há um choro tardio que fica para trás... uma ladaínha breve a marcar o tempo que o sono come. alma