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Mensagens

A mostrar mensagens de janeiro, 2007

À luz da lua | 13

La Mére Elizabeth Nourse

Quietude

Antoine de Villiers

Quanto de ti, Amor...

Quanto de ti, amor, me possuiu no abraço em que de penetrar-te me senti perdido no ter-te para sempre - Quanto de ter-te me possui em tudo o que eu deseje ou veja não pensando em ti no abraço a que me entrego - Quanto de entrega é como um rosto aberto, sem olhos e sem boca, só expressão dorida de quem é como a morte - Quanto de morte recebi de ti, na pura perda de possuir-te em vão de amor que nos traiu - Quanta traição existe em possuir-se a gente sem conhecer que o corpo não conhece mais que o sentir-se noutro - Quanto sentir-te e me sentires não foi senão o encontro eterno que nenhuma imagem jamais separará - Quanto de separados viveremos noutros esse momento que nos mata para quem não nos seja e só - Quanto de solidão é este estar-se em tudo como na auséncia indestrutível que nos faz ser um no outro - Quanto de ser-se ou se não ser o outro é para sempre a única certeza que nos confina em vida - Quanto de vida consumimos pura no horror e na miséria de, possuindo, sermos a terra que

Dad´s Coming

Winslow Homer

Nas vastas águas...

Nas vastas águas que as remadas medem. tranquila a noite está adormecida. Deslisa o barco, sem que se conheça que o espaço ou tempo existe noutra vida, em que os barcos naufragam, e nas praias há cascos arruinados que apodrecem, a desfazer-se ao sol, ao vento, à chuva, e cujos nomes se não vêem já. Ao que singrando vai, a noite esconde o nome. Jorge de Sena

Topsail Beach

Luke Allsbrook

Um pálido Inverno

Um pálido inverno escorria nos quartos Brancos de silêncio com a névoa Um frio azul brilhava no vidro das janelas As coisas povoavam os meus dias Secretas graves nomeadas. Sophia de Mello Breyner Andresen

Winter

Andrew Wyeth

Snow Flurries

Andrew Wyeth

Brandywine Valley

Andrew Wyeth

Ária

É belo o tempo de Inverno, no silêncio, a lenha húmida das maternas canções da chuva. Na lentidão de Janeiro fica mais longe a morte. As aves habitam nos beirais como príncipes destronados. Inês Lourenço

The Kiss

Sára Saudková

Hungry For Your Touch

Jan Saudek

Eu sei, não te conheço mas existes

Eu sei, não te conheço mas existes. Por isso os deuses não existem, a solidão não existe e apenas me dói a tua ausência como uma fogueira ou um grito. Não me perguntes como mas ainda me lembro quando no outono cresceram no teu peito duas alegres laranjas que eu apertei nas minhas mãos e perfumaram depois a minha boca. Eu sei, não digas, deixa-me inventar-te. Não é um sonho, juro, são apenas as minhas mãos sobre a tua nudez como uma sombra no deserto. É apenas este rio que me percorre há muito e desagua em ti, porque tu és o mar que acolhe os meus destroços. é apenas uma tristeza inadiável, uma outra maneira de habitares em todas as palavras do meu canto. Tenho construído o teu nome com todas as coisas. Tenho feito amor de muitas maneiras, docemente, lentamente desesperadamente à tua procura, sempre á tua procura até me dar conta que estás em mim, que em mim devo procurar-te, e tu apenas existes porque eu existo e eu não estou só contigo mas é contigo que eu quero ficar só porque é a ti

Dez chamamentos ao amigo

Se te pareço noturna e imperfeita Olha-me de novo. Porque esta noite Olhei-me a mim, como se tu me olhasses. E era como se a água Desejasse Escapar de sua casa que é o rio E deslizando apenas, nem tocar a margem. Te olhei. E há tanto tempo Entendo que sou terra. Há tanto tempo Espero Que o teu corpo de água mais fraterno Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta Olha-me de novo. Com menos altivez. E mais atento. Hilda Hilst

Katrina

Manuel Librodo http://www.pbase.com/manny_librodo

Introspection

Manuel Librodo www.pbase.com/manny_librodo

South Wind

Shigeki Tomura

A Stream in the Forest, Winter

Shigeki Tomura

Às vezes as coisas dentro de nós

O que nos chama para dentro de nós mesmos é uma vaga de luz, um pavio, uma sombra incerta. Qualquer coisa que nos muda a escala do olhar e nos torna piedosos, como quem já tem fé. Nós que tivemos a vagarosa alegria repartida pelo movimento, pela forma, pelo nome, voltamos ao zero irradiante, ao ver o que foi grande, o que foi pequeno, aliás o que não tem tamanho, mas está agora engrandecido dentro do novo olhar. Fiama Hasse Pais Brandão

À luz da lua | 12

Madre e Hijo Fernando Botero

Do Mar

Geoffrey Demarquet www.olhares.com Aqueles de um país costeiro, há séculos, contêm no tórax a grandeza sonora das marés vivas. Em simples forma de barco, as palmas das mãos. Os cabelos são banais como algas finas. O mar está em suas vidas de tal modo que os embebe dos vapores do sal. Não é fácil amá-los de um amor igual à benignidade do mar. Fiama Hasse Pais Brandão

Vivo na esperança de um gesto

Vivo na esperança de um gesto Que hás-de fazer. Gesto, claro, é maneira de dizer, Pois o que importa é o resto Que esse gesto tem de ter. Tem que ter sinceridade Sem parecer premeditado; E tem que ser convincente, Mas de maneira diferente Do discurso preparado. Sem me alargar, não resisto À tentação de dizer Que o gesto não é só isto... Quando tu, em confusão, Sabendo que estou à espera, Me mostras que só hesitas Por não saber começar, Que tentações de falar! Porque enfim, como adivinhas, Esse gesto eu sei qual é, Mas se o disser, já não é... Reinaldo Ferreira

Nighthawks

Edward Hopper

Le Bistro

Edward Hopper

É pela tarde, quando a luz esmorece

É pela tarde, quando a luz esmorece E as ruas lembram singulares colmeias, Que a alegria dos outros me entristece E aguço o faro para as dores alheias. Um que, impaciente, para o lar regresse, As viaturas que se cruzam cheias Dos que fazem da vida uma quermesse, São para mim, faminto, odor de ceias. Sentimento cruel de quem se afasta, Por orgulho repele, e se desgasta No esforço de fugir à multidão. Mas castigo de quem, por imprudente, Já não pode deter-se na vertente Que vai da liberdade à solidão. Reinaldo Ferreira

abriste a janela e voaste...

Absolute Faith Thomas Barbèy www.thomasbarbey.com A noite passada acordei com o teu beijo descias o Douro e eu fui esperar-te ao Tejo vinhas numa barca que não vi passar corri pela margem até à beira do mar até que te vi num castelo de areia cantavas "sou gaivota e fui sereia" ri-me de ti "então porque não voas?" e então tu olhaste depois sorriste abriste a janela e voaste A noite passada fui passear no mar a viola irmã cuidou de me arrastar chegado ao mar alto abriu-se em dois o mundo olhei para baixo dormias lá no fundo faltou-me o pé senti que me afundava por entre as algas teu cabelo boiava a lua cheia escureceu nas águas e então falámos e então dissemos aqui vivemos muitos anos A noite passada um paredão ruiu pela fresta aberta o meu peito fugiu estavas do outro lado a tricotar janelas vias-me em segredo ao debruçar-te nelas cheguei-me a ti disse baixinho "olá", toquei-te no ombro e a marca ficou lá o sol inteiro caiu entre os montes e então olhaste d

Self Portrait with Loose Hair

Frida Kahlo (1947)

Self Portrait as a Tehuana (Diego on My Mind)

Frida Kahlo (1943)

Self Portrait (III)

Frida Kahlo (1940)

Self Portrait (II)

Frida Kahlo (1940)

Self Portrait with Monkey

Frida Kahlo (1938)

Self Portrait (Dedicated to Leon Trotsky)

Frida Kahlo (1937)

Self Portrait

Frida Kahlo (1926)

A Magnólia

A exaltação do mínimo, e o magnífico relâmpago do acontecimento mestre restituem-me a forma o meu esplendor Um diminuto berço me recolhe onde a palavra se elide na matéria - na metáfora - necessária, e leve, a cada um onde se ecoa e resvala. A magnólia, o som que se desenvolve nela quando pronunciada, é um exaltado aroma perdido na tempestade, um mínimo ente magnífico desfolhando relâmpagos sobre mim. Luiza Neto Jorge

Reclining Nude

Edward Hopper

Três Mulheres, poema a três vozes (III)

PRIMEIRA VOZ: Não há milagre mais cruel que este. Sou arrastada por cavalos, por cascos de ferro. Resisto. Resisto o mais que posso. Concluo a obra. Um túnel negro, através do qual se percipitam as aparições, As aparições, as evidências, os rostos desfigurados. Sou o centro de uma atrocidade. Que dores, que penas estarei eu a dar à luz? Será esta inocência capaz de matar e matar repetidamente? Suga-me a vida As árvores secam na rua. A chuva é corrosiva. Experimento-a na minha língua, e todos os outros horrores praticáveis, Os horrores que esperam e espreitam, as madrinhas desdenhosas Com os corações a fazerem tic tic, e os seus saquinhos de instrumentos. Eu hei-de ser uma parede e um tecto protector. Hei-de ser um céu e uma montanha de bondade: Mas agora deixem-me! Sinto uma força a crescer dentro de mim, uma imensa tenacidade. Rasgo-me ao meio, como o mundo. E há esta escuridão, Toda esta profunda escuridão. Cruzo as mãos sobre uma montanha. O ar está espesso. Está espesso com o labor

Serenity in the Lake

Tran Quang Huan

«a sombria beleza do tema da estação e da morte»

«a sombria beleza do tema da estação e da morte», diz o Kundera algures. nesta imagem desenha-se um olival perdido de surdas tonalidades, atrás do cais de onde se despenhou alguém, alguma forma aflita e trágica, vinda do fundo súbito de uma paisagem tão modesta, sob as vozes de quem chega e quem parte, ou simplesmete foi ali para olhar outros seres de passagem, outros rasos destinos sem anjo para o remorso. há flores, dirás, algumas flores diurnas, confiantes, que outras mãos hão-de dispor na jarra, relembrada junto à parede branca, mas essas são um ténue sopro de acaso, ou um fulgor antecipando outra nudez. quando a luz já se tornou mais húmida e quase musical, e através da folhagem a harpa do desgaste estremeceu, e passaram as horas e passaram, pesadas, contadas, divididas, já não dói a beleza de alguém que vai partir, a sombria beleza da sua ocultação intransmissível, uma brisa leve misturar-se-á ao cheiro de óleo, aos acenos afectuosos, aos ruídos do tema da estação. é tudo. à noit

lamento para a língua portuguesa

não és mais do que as outras, mas és nossa, e crescemos em ti. nem se imagina que alguma vez uma outra língua possa pôr-te incolor, ou inodora, insossa, ser remédio brutal, mera aspirina, ou tirar-nos de vez de alguma fossa, ou dar-nos vida nova e repentina. mas é o teu país que te destroça, o teu próprio país quer-te esquecer e a sua condição te contamina e no seu dia a dia te assassina. mostras por ti o que lhe vais fazer: vai-se por cá mingando e desistindo, e desde ti nos deitas a perder e fazes com que fuja o teu poder enquanto o mundo vai de nós fugindo: ruiu a casa que és do nosso ser e este anda por isso desavindo connosco, no sentir e no entender, mas sem que a desavença nos importe nós já falamos nem sequer fingindo que só ruínas vamos repetindo. talvez seja o processo ou o desnorte que mostra como é realidade a relação da língua com a morte, o nó que faz com ela e que entrecorte a corrente da vida na cidade. mais valia que fossem de outra sorte em cada um a força da vontade

Domingo no mundo | 11

Tchissole José Silva Pinto www.olhares.com

Sem nada de meu

Dei-me inteiro. Os outros fazem o mundo (ou crêem que fazem) . Eu sento-me na cancela, sem nada de meu e tenho um sorriso triste e uma gota de ternura branda no olhar. Dei-me inteiro. Sobram-me coração, vísceras e um corpo. Com isso vou vivendo. Rui Knopfli

Lembranças do futuro

Traz-me lembranças tristes o porvir, mais do que as débeis luzes a jusante acesas por consentidas saudades. O pranto do homem é o menino perdido, mas a criança que chora na margem não se chora. Chora o homem: só os poetas têm lembranças do futuro. Rui Knopfli

À luz da lua | 11

Lady with Child Bui Huu Hung

Passion

Antoine de Villiers

Fragmento de...

Fragmentos de um discurso amoroso de Roland Barthes "O mundo submete todo o empreendimento a uma alternativa: o sucesso ou o insucesso, a vitória ou a derrota. Protesto com base numa outra lógica: estou, ao mesmo tempo e contraditoriamente, feliz e infeliz: «sucesso» ou «insucesso» não têm para mim senão um significado contingente, passageiro ( o que não impede a violência dos meus sofrimentos e desejos); o que me anima, surda e obstinadamente, nada tem de táctico: aceito e afirmo independentemente de ser verdadeiro ou falso, bem sucedido ou mal sucedido; afasto-me de toda a finalidade, vivo à mercê do acaso ( à medida que as figuras do meu discurso me vêm à mente como as jogadas dos dados). Enfrentando a aventura ( o que me sucede), não saio nem vencedor nem vencido: sou trágico. (Dizem-me: essa forma de amor não é viável. Mas como avaliar a viabilidade? Por que razão ser viável é um Bem? Por que razão durar é melhor que arder ?)"