Avançar para o conteúdo principal

«a sombria beleza do tema da estação e da morte»

«a sombria beleza do tema
da estação e da morte», diz o Kundera algures.
nesta imagem desenha-se um olival perdido
de surdas tonalidades, atrás do cais de onde

se despenhou alguém, alguma forma
aflita e trágica, vinda do fundo súbito de uma
paisagem tão modesta, sob as vozes
de quem chega e quem parte, ou simplesmete foi ali para olhar

outros seres de passagem, outros rasos destinos sem anjo para o remorso.
há flores, dirás, algumas flores diurnas, confiantes,
que outras mãos hão-de dispor na jarra, relembrada
junto à parede branca, mas essas são um ténue

sopro de acaso, ou um fulgor antecipando outra nudez.
quando a luz já se tornou mais húmida e quase musical,
e através da folhagem a harpa do desgaste estremeceu,
e passaram as horas e passaram,

pesadas, contadas, divididas, já não dói
a beleza de alguém que vai partir, a sombria beleza
da sua ocultação intransmissível, uma brisa leve misturar-se-á
ao cheiro de óleo, aos acenos afectuosos, aos

ruídos do tema da estação. é tudo. à noite o olival
será uma massa negra de clareiras adiadas,
atrás do cais sem ninguém e sem tempo, como sempre acontece
nas pequenas estações de uma província da alma.

Vasco Graça Moura

Comentários

Mensagens populares deste blogue

É este o dia anunciado, a hora da desesperança!

É este o dia anunciado, a hora da desesperança! Expulsos de um tempo julgado sem fim, onde os corpos se banharam indolentes e incautos, procuramos em vão, de novo, o caminho...sem um fio de luz, sem alento, sem consolo. Os teus olhos, os meus olhos, os nossos olhos quase cegos choram, tardiamente, a memória ardida, prostrados perante as etéreas cinzas que de nós se apartam. É esta a manhã negra do nosso desalento! Afastados da vida, num devir atormentado que nos lança as presas onde já não há carne,  resta-nos cumprir a pena aceitando-a como um bálsamo. Os meus braços, os teus braços, os nossos abraços esmagados, ameaçados, extintos, são as estátuas de pedra que tomam agora o lugar das árvores caídas. São estas as criaturas inumadas em que nos transfigurámos! E assim, levianos, soterrados no sedimento do nosso desânimo, ora resignados, ora alarmados, seguimos...com a granada dentro do peito. [ alma ]

Quando aprendemos a ouvir as árvores

"(...) quando aprendemos a ouvir as árvores, a brevidade e a rapidez e a pressa infantil dos nossos pensamentos alcançam uma alegria incomparável. Quem aprendeu a escutar as árvores já não quer ser uma árvore. Ele não quer ser nada, exceto o que ele é. Isso é estar em casa. Isso é a felicidade.” Herman Hesse pintura de David Hockney