Avançar para o conteúdo principal

Três Mulheres, poema a três vozes (III)

PRIMEIRA VOZ:
Não há milagre mais cruel que este.
Sou arrastada por cavalos, por cascos de ferro.
Resisto. Resisto o mais que posso. Concluo a obra.
Um túnel negro, através do qual se percipitam as aparições,
As aparições, as evidências, os rostos desfigurados.
Sou o centro de uma atrocidade.
Que dores, que penas estarei eu a dar à luz?

Será esta inocência capaz de matar e matar repetidamente? Suga-me a vida
As árvores secam na rua. A chuva é corrosiva.
Experimento-a na minha língua, e todos os outros horrores praticáveis,
Os horrores que esperam e espreitam, as madrinhas desdenhosas
Com os corações a fazerem tic tic, e os seus saquinhos de instrumentos.
Eu hei-de ser uma parede e um tecto protector.
Hei-de ser um céu e uma montanha de bondade: Mas agora deixem-me!

Sinto uma força a crescer dentro de mim, uma imensa tenacidade.
Rasgo-me ao meio, como o mundo. E há esta escuridão,
Toda esta profunda escuridão. Cruzo as mãos sobre uma montanha.
O ar está espesso. Está espesso com o labor.
Sou usada. Sou usada à força.
Os meus olhos são esmagados por toda esta escuridão.
Não vejo nada.

Sylvia Plath
traduzida por Ana Gabriela Macedo

Comentários

Mensagens populares deste blogue

XTERIORS XVII

  Desirée Dolron

O Canavial e o Mar

O que o mar sim ensina ao canavial: o avançar em linha rasteira da onda; o espraiar-se minucioso, de líquido, alagando cova a cova onde se alonga. O que o canavial sim ensina ao mar: a elocução horizontal de seu verso; a geórgica de cordel, ininterrupta, narrada em voz e silêncio paralelos. O que o mar não ensina ao canavial: a veemência passional da preamar; a mão-de-pilão das ondas na areia, moída e miúda, pilada do que pilar. O que o canavial não ensina ao mar: o desmedido do derramar-se da cana; o comedimento do latifúndio do mar, que menos lastradamente se derrama. João Cabral de Melo Neto

Princípios

Podíamos saber um pouco mais da morte. Mas não seria isso que nos faria ter vontade de morrer mais depressa. Podíamos saber um pouco mais da vida. Talvez não precisássemos de viver tanto, quando só o que é preciso é saber que temos de viver. Podíamos saber um pouco mais do amor. Mas não seria isso que nos faria deixar de amar ao saber exactamente o que é o amor, ou amar mais ainda ao descobrir que, mesmo assim, nada sabemos do amor. Nuno Júdice