Estranhava-lhe a forma de vestir e os olhos pintados de preto. Do espelho do cabeleireiro, que ficava no rés do chão do prédio da avó, espreitava-lhe o gestos lentos e os olhos indiferentes às conversas com cheiro a shampoo e amoníaco. Lavava cabeças. Menos quente, pedia-lhe, evitando tratá-la pelo nome próprio, Sílvia. Olha que ela gosta de mulheres, dizia-lhe a avó. Por isso, nunca a chamava pelo nome, que os nomes trazem excesso de intimidade. Põe creme? Só nas pontas, respondia enquanto pensava no incómodo que era ter a cabeça nas mãos de uma mulher que guardava uma fotografia de outra na bata preta. Pelo espelho observava-a, encostada ao carrinho dos rolos e das escovas, sorrindo para uma fotografia tipo passe, tirada numa estação de metro qualquer. Depois tirava da mala um queque de chocolate embrulhado num guardanapo de papel e ficava ali, com os olhos pintados de preto perdidos no chão cheio de cabelos. Ela, sentada na cadeira em frente ao espelho, com os cabelos a pingar na ...