se a vénus ao espelho fosse
uma oliveira a arder por dentro
com sua chama de óleo doce
e tudo em brasa desde o centro,
se o seu espelho acaso fosse
embaciado pelo alento
que algum cúpido em voo trouxe
entre desejo e atrevimento,
se o ar no quarto depois fosse
feito luz táctil do aposento
e se entranhasse a tomar posse
da nudez rósea no cinzento,
e se velásquez então fosse
pintar-lhe o ensimesmamento
eu te diria: misturou-se
ao próprio instinto o pensamento.
Vasco Graça Moura

Diego Velázquez
Vejo as duas vidas que tu olhas; e
das duas não sei qual escolher. Tiro-te
do espelho; e à minha frente és
o reflexo que imagino, num pedaço
de realidade. Mas se tento tocar-te,
é o vidro que me impede de passar
para onde estás, e de onde me chamas,
num eco de desejo.
Pudesse eu partir o espelho,
e ver em cada estilhaço os fragmentos
de vida em que nos encontrámos! Ou
colar ao vidro a minha boca, e encontrar
húmidos os teus lábios! Porém,
nada desvia a tua atenção; e
no rosto que olhas vês o rosto
que o vê, pensando em todos aqueles
que te hão-de ver.
Nuno Júdice
uma oliveira a arder por dentro
com sua chama de óleo doce
e tudo em brasa desde o centro,
se o seu espelho acaso fosse
embaciado pelo alento
que algum cúpido em voo trouxe
entre desejo e atrevimento,
se o ar no quarto depois fosse
feito luz táctil do aposento
e se entranhasse a tomar posse
da nudez rósea no cinzento,
e se velásquez então fosse
pintar-lhe o ensimesmamento
eu te diria: misturou-se
ao próprio instinto o pensamento.
Vasco Graça Moura

Diego Velázquez
Vejo as duas vidas que tu olhas; e
das duas não sei qual escolher. Tiro-te
do espelho; e à minha frente és
o reflexo que imagino, num pedaço
de realidade. Mas se tento tocar-te,
é o vidro que me impede de passar
para onde estás, e de onde me chamas,
num eco de desejo.
Pudesse eu partir o espelho,
e ver em cada estilhaço os fragmentos
de vida em que nos encontrámos! Ou
colar ao vidro a minha boca, e encontrar
húmidos os teus lábios! Porém,
nada desvia a tua atenção; e
no rosto que olhas vês o rosto
que o vê, pensando em todos aqueles
que te hão-de ver.
Nuno Júdice
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