Pareceu-me apropriado sugerir que
nos encontrássemos hoje para uma degustação. No encalce de Zoran cada um de nós
deliciar-se-ia com o seu livro, partilhando os sabores originais que tal manjar
descobriria, ou não…contudo… encontro-me impedida de o fazer.
Terminada ontem a leitura, guardei
como sempre o meu Zoran, na minha mochila, no seu compartimento. Esta seria a última
vez que nos veríamos. Em casa, quando mergulhei a minha mão para recolher, ciosa,
e uma a uma, todas as bibliotecas lidas, não as encontrei. Nenhuma, sem
explicação e sem rasto.
Nunca, nenhum livro, por muito
fraco, decrépito, ruim ou danado que fora, se atrevera a deixar alguém. Mas
Zoran fê-lo. Zoran atreveu-se a desafiar o impossível. Zoran chamou-me de modo
furtivo e dissimulado, abraçou-me, levou-me por atalhos singulares e estrangeiros.
Desafiou-me no exato e cirúrgico modo que sabia me aprazer e, depois, sem
mapa e sem código secreto ainda revelado, partiu.
Ainda estranha, só, e
desconvencida, entrei no hall da minha casa e olhei para o irreparável. Nada me
aguardava. As estantes, onde nas horas anteriores e matinais se acomodavam
ainda, confortáveis, afeitos e familiares, inúmeros livros de tantos tamanhos,
cores e cheiros, estavam agora despojadas e desoladas no seu vazio. Tristes e
culpadas por, de algum modo, terem falhado na sua guarda.
Cheirei-as no desespero insano deles ainda estarem por ali, de algum modo, num estado existencial improvável.
Nada. Apenas um vazio clórico e estéril.
Aquele espaço é agora um bairro
desalojado e ímpio. Sem misericórdia e sem perdão. Não há ninguém a quem
procurar, não há ruído de viagens naquela primeira estante, não serei mais saudada
pelos poetas encostados mais a meio, eles que me cantam, e me amam, sem
compromisso e sem abandono, não terei mais conversas ao final do dia com os
livros que me esperavam junto à porta. Não saberei de mais intrigas, ou mal
entendidos, das mortes ocorridas, as lutas travadas, a vida gerada.
Resta-me a biblioteca vazia.
Preciso encontrar Zoran. Ele terá
de me revelar esta singularidade.
Não sei se chegarei a tempo ao nosso encontro...
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