Avançar para o conteúdo principal

Bem-vinda

Ocorre-me que vais chegar distinta
não exactamente mais linda
nem mais forte
nem mais dócil
nem mais cauta
somente que vais chegar distinta
como se esta temporada de não me veres
te tivesse surpreendido a ti também
talvez porque sabes
como te penso e te enumero

depois de tudo a nostalgia existe
ainda que não choremos nos corredores fantasmáticos
nem sobre as almofadas de candor
nem por baixo do céu opaco

eu nostalgio
tu nostalgias
e que me interessa que ele nostalgie

o teu rosto é vanguarda
talvez chegue primeiro
porque o pinto nas paredes
com traços invisíveis e seguros

não esqueças que o teu rosto
me olha como povo
sorri e enfurece-se e canta
como povo
e isso dá-te uma luz
inapagável

agora não tenho dúvidas
vais chegar distinta e com sinais
com novas
com profundidade
com franqueza

sei que vou querer-te sem perguntas
sei que vais querer-me sem respostas



Mario Benedetti

Comentários

Mensagens populares deste blogue

XTERIORS XVII

  Desirée Dolron

O Canavial e o Mar

O que o mar sim ensina ao canavial: o avançar em linha rasteira da onda; o espraiar-se minucioso, de líquido, alagando cova a cova onde se alonga. O que o canavial sim ensina ao mar: a elocução horizontal de seu verso; a geórgica de cordel, ininterrupta, narrada em voz e silêncio paralelos. O que o mar não ensina ao canavial: a veemência passional da preamar; a mão-de-pilão das ondas na areia, moída e miúda, pilada do que pilar. O que o canavial não ensina ao mar: o desmedido do derramar-se da cana; o comedimento do latifúndio do mar, que menos lastradamente se derrama. João Cabral de Melo Neto

Princípios

Podíamos saber um pouco mais da morte. Mas não seria isso que nos faria ter vontade de morrer mais depressa. Podíamos saber um pouco mais da vida. Talvez não precisássemos de viver tanto, quando só o que é preciso é saber que temos de viver. Podíamos saber um pouco mais do amor. Mas não seria isso que nos faria deixar de amar ao saber exactamente o que é o amor, ou amar mais ainda ao descobrir que, mesmo assim, nada sabemos do amor. Nuno Júdice