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Bem-vinda

Ocorre-me que vais chegar distinta
não exactamente mais linda
nem mais forte
nem mais dócil
nem mais cauta
somente que vais chegar distinta
como se esta temporada de não me veres
te tivesse surpreendido a ti também
talvez porque sabes
como te penso e te enumero

depois de tudo a nostalgia existe
ainda que não choremos nos corredores fantasmáticos
nem sobre as almofadas de candor
nem por baixo do céu opaco

eu nostalgio
tu nostalgias
e que me interessa que ele nostalgie

o teu rosto é vanguarda
talvez chegue primeiro
porque o pinto nas paredes
com traços invisíveis e seguros

não esqueças que o teu rosto
me olha como povo
sorri e enfurece-se e canta
como povo
e isso dá-te uma luz
inapagável

agora não tenho dúvidas
vais chegar distinta e com sinais
com novas
com profundidade
com franqueza

sei que vou querer-te sem perguntas
sei que vais querer-me sem respostas



Mario Benedetti

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gritas, gritam até que o outro ensurdeça,  até que fique com os pés presos na lama e se esgote. gritas, gritam palavras e frases de uma ordem estéril que nos matará. rasgam os pulmões com cânticos, alucinados,  com uma narrativa estúpida de quem nos crê estúpidos...e seremos? rangem os dentes,  soltam os caninos e farejam a hesitação com o dedo no gatilho, lambem-nos o medo na pele... abrem as gargantas de onde saem línguas como canos apontados ao nosso cérebro,  línguas sibilantes num hálito de enxofre, numa infindável oratória que nos queima a pele, nos rompe a mente. destroem o silêncio. gritam que somos vítimas,  as suas vítimas,  as legítimas,  enquanto desviam o olhar e fecham as órbitas embaciadas para que a realidade não os capture. gritam, gritam e gritam pois enquanto gritam não param,  não pensam, não deixam que ninguém pare, e ninguém pensa. embalam os corações nas bandeiras e nos hinos para conseguirem adormecer,  para que o sono...