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O Metropolitano

No túnel encurvado ali íamos nós.
à frente, ágil, de casaco de viagem, tu,
e eu, a apanhar-te como um deus veloz
antes que te mudasses em bambu

ou nalguma nova flor branca e vermelha,
e as abas a adejarem com força, eis que se espalha
botão após botão num rasto que assim role
entre o metropolitano e o Albert Hall.

Lua de mel, andar na lua, tarde para os Promenade,
os nossos ecos morrem nesse corredor e agora hei-de
ir como Hansel ia pelas pedrinhas batidas pela lua
refazendo o caminho, apanhando os botões da rua

para acabar nas correntes de ar e na luz frouxa da estação,
partindo os combóios, na via húmida que jaz
a nu e tensa como eu, todo atenção
aos teus passos e a perder-me se olho para trás.



Seamus Heaney
tradução de Vasco Graça Moura

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gritas, gritam até que o outro ensurdeça,  até que fique com os pés presos na lama e se esgote. gritas, gritam palavras e frases de uma ordem estéril que nos matará. rasgam os pulmões com cânticos, alucinados,  com uma narrativa estúpida de quem nos crê estúpidos...e seremos? rangem os dentes,  soltam os caninos e farejam a hesitação com o dedo no gatilho, lambem-nos o medo na pele... abrem as gargantas de onde saem línguas como canos apontados ao nosso cérebro,  línguas sibilantes num hálito de enxofre, numa infindável oratória que nos queima a pele, nos rompe a mente. destroem o silêncio. gritam que somos vítimas,  as suas vítimas,  as legítimas,  enquanto desviam o olhar e fecham as órbitas embaciadas para que a realidade não os capture. gritam, gritam e gritam pois enquanto gritam não param,  não pensam, não deixam que ninguém pare, e ninguém pensa. embalam os corações nas bandeiras e nos hinos para conseguirem adormecer,  para que o sono...