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eira do catavento | 2. junho

estás a olhar para mim. tens um chapéu de palha
de abas a acompanhar a curva do teu riso. pode ser
ou praia ou campo o sítio em que me encontras.
eu sei que é no jardim, que os cães agora
dormitam, que há mais rosas quase a abrir,

regadas de manhã, que olhaste as trepadeiras
e mudaste um hibisco, que estão num canto a pá,
o regador, um vaso já sem terra ontem comprado
(não, não vamos à feira logo à tarde)
e além sobe por fim a madressilva.

dão-te as argolas um ar aciganado, acentuando
a tua tez meridional por entre as sombras
leves que tens no rosto, enquanto ris
como a dizer de um tempo sem história,
feito das brisas do sossego, das claridades do verão.


Vasco Graça Moura

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