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Para tornar legível a emoção

Agora, que uma luz difusa me fascina
retenho a idade em que não ousava
fazer do coração um lugar de conflito.
Escoa-se, de meus lábios,
sem aviso prévio,
um excessivo odor a maresia,
como se o verão atasse em meu pescoço
a sombra das dunas e todos os ventos
afugentassem a inevitabilidade da morte.
É de musgo, a vertigem
onde demoro as mãos,
para tornar legível a emoção.


Graça Pires
Ortografia do olhar

Comentários

Mateso disse…
O tempo vivido... réstia de odores..
que o verão viu guardar.
Lindo! Bj.

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