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as glicínias

nos alpendres de junho perpassa
um halo azul a desprender-se em cheiros
que procuram a terra devagar
numa gaze de luminescências e de abelhas.

é quando cresce a música na intimidade
das glicínias e se despenha o seu perfume
nas sombras mais intensas, como se
falássemos das águas ou da matéria da melancolia

nesta luz feita de sussurros do jardim e
o mundo começasse pelas narinas
e o nó da vida se prendesse
ao voo de um aroma, à sua consistência doce,

arejada entre o chão e as núvens.
desce pelos vãos da solidão macia, lento
como um óleo a alastrar na pele do tempo,
o enredamento grave das glicínias,

para um torpor, para um renascimento,
para uma canção breve das delícias,
um recordar de mágoas, um cacho de silêncios,
um respirar mais fundo, um habitar.


Vasco Graça Moura
(para josé domingos da cruz santos)

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