Avançar para o conteúdo principal

2 anos Insustentáveis

O INSUSTENTÁVEL faz hoje 2 anos!
Parabéns e... escuta esta música ...




escuta esta música, esta
ténue quietação: vai até onde
descerem as raízes
do coração por humildade.
escureceu mais cedo e vais precisar dela.

já não há rosas no voo das palavras,
só estranhezas, parques para a chuva, e há
na casa do ser sangue e suor, alguns resíduos
duma enredada, dura aprendizagem
entrelaçada nelas, devagar.

o remorso das coisas organiza-se
e é sinuosa a sua irrupção
no interior de nós mesmos. nós os hesitantes, os que
delas tanto quisemos ou deitámos
pra fora da lembrança a sua imagem veemente

e tanta paz incerta procurando-se
na mordedura de um silêncio triste.
tanto aprendi. deveria durar uma defesa
contra o interdito? ou a serenidade é tão difícil
que só a alcança o coração tumultuoso?

como se a noite fosse uma enseada sem serpentes
ou fosse às vezes pura tempestade,
eu quero ver aqui as marcas do destino, o seu
tropel diluído ou acerado, ver aqui
as marcas que vão contra a solidão.

quero a pedra do sol aqui iluminada, respirando
como a laranja numa lousa da fortuna,
ou recortada num chão de porcelana; quero os outros
bichos ondeando, os mais amados sons
quietamente livres, sem erro nem remorso nas pupilas.

na noite espreita o lince do esquecimento
e terás de evitar seus olhos brancos.
ah, escuta esta música, as suas éguas mansas,
para quando eu viver, para quando eu morrer,
escureceu mais cedo e tu precisas dela.


poema de Vasco Graça Moura
pintura "Music and Poetry" de Patricia Watwood

Comentários

Mensagens populares deste blogue

A essência dos dias.2

O livro aberto pousado nas suas mãos. Na macieza dos lábios as palavras mastigadas em silêncio e na dobra das pálpebras pequenos fragmentos de texto que não couberam naquelas páginas. A serena curva temporal do rosto acumula todos os pequenos assombros emocionais que cada parágrafo percorrido lhe desperta. O belíssimo rosto do ser amado a ler ilumina-se entretanto por um raio de sol que abre caminho por entre nuvens, braços, ombros e sacos. Olho a sua face iluminada. Iluminada pelo singelo e extraordinário raio de sol que ali escolheu terminar a sua viagem cósmica. Ali, no seu rosto, entre tantos outros na carruagem do comboio numa manhã de fevereiro. Ninguém atenta na singularidade deste instante. A luz que há minutos partiu de uma estrela viaja agora connosco no comboio. Ilumina-te. E na dobra do tempo, como antes na dobra das tuas pálpebras, somos atingidos pela poeira desta centelha. Somos perfeitos. Estamos numa única dimensão. Estamos em todo o lado. [ alma ]

XTERIORS XVII

  Desirée Dolron

Princípios

Podíamos saber um pouco mais da morte. Mas não seria isso que nos faria ter vontade de morrer mais depressa. Podíamos saber um pouco mais da vida. Talvez não precisássemos de viver tanto, quando só o que é preciso é saber que temos de viver. Podíamos saber um pouco mais do amor. Mas não seria isso que nos faria deixar de amar ao saber exactamente o que é o amor, ou amar mais ainda ao descobrir que, mesmo assim, nada sabemos do amor. Nuno Júdice