Avançar para o conteúdo principal

Três Mulheres, poema a três vozes (V)

PRIMEIRA VOZ:
Quem será que nos arremessa estas almas inocentes?
Repara, estão exaustas, completamente esgotadas
Nos seus berços forrados a tecido, os nomes presos ao pulso,
Pequenos troféus de prata que vieram buscar de tão longe.
Há algumas de cabelo negro e espesso, outras carecas.
A sua pele é rosada ou pálida, morena ou avermelhada;
Começam a registar as suas diferenças.

Parecem-me feitos de água; não têm expressão.
Os seus traços estão adormecidos, como a luz em águas tranquilas.
São autênticos monges e freiras vestidos com roupas idênticas.
Vejo-os a cair no mundo como estrelas -
Na ìndia, na África, na América,estes pequenos seres milagrosos.
Estas imagens puras e minúsculas. Cheiram a leite.
Têm as solas dos pés incólumes. Como se caminhassem no ar.

Pode o nada ser tão pródigo?
Aqui está o meu filho.
O seu imenso olhar é desse azul liso e incaracterístico.
Vira-se para mim como uma plantinha cega e luminosa.
Um grito. É esta a amarra que me sustém.
E sou um rio de leite.
Sou uma montanha tépida.

Sylvia Plath
traduzida por Ana Gabriela Macedo

Comentários

Mensagens populares deste blogue

XTERIORS XVII

  Desirée Dolron

O Canavial e o Mar

O que o mar sim ensina ao canavial: o avançar em linha rasteira da onda; o espraiar-se minucioso, de líquido, alagando cova a cova onde se alonga. O que o canavial sim ensina ao mar: a elocução horizontal de seu verso; a geórgica de cordel, ininterrupta, narrada em voz e silêncio paralelos. O que o mar não ensina ao canavial: a veemência passional da preamar; a mão-de-pilão das ondas na areia, moída e miúda, pilada do que pilar. O que o canavial não ensina ao mar: o desmedido do derramar-se da cana; o comedimento do latifúndio do mar, que menos lastradamente se derrama. João Cabral de Melo Neto

Princípios

Podíamos saber um pouco mais da morte. Mas não seria isso que nos faria ter vontade de morrer mais depressa. Podíamos saber um pouco mais da vida. Talvez não precisássemos de viver tanto, quando só o que é preciso é saber que temos de viver. Podíamos saber um pouco mais do amor. Mas não seria isso que nos faria deixar de amar ao saber exactamente o que é o amor, ou amar mais ainda ao descobrir que, mesmo assim, nada sabemos do amor. Nuno Júdice