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Soneto da madrugada

Pensar que já vivi à sombra escura
Desse ideal de dor, triste ideal
Que acima das paixões do bem e do mal
Colocava a paixão da criatura!

Pensar que essa paixão, flor de amargura
Foi uma desventura sem igual
Uma incapacidade de ternura
Nunca simples e nunca natural!

Pensar que a vida se houve de tal sorte
Com tal zelo e tão íntimo sentido
Que em mim a vida renasceu da morte!

Hoje me libertei, povo oprimido
E por ti viverei meu ódio forte
Nesse misterioso amor perdido.

Vinícius de Moraes

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  Desirée Dolron

O Canavial e o Mar

O que o mar sim ensina ao canavial: o avançar em linha rasteira da onda; o espraiar-se minucioso, de líquido, alagando cova a cova onde se alonga. O que o canavial sim ensina ao mar: a elocução horizontal de seu verso; a geórgica de cordel, ininterrupta, narrada em voz e silêncio paralelos. O que o mar não ensina ao canavial: a veemência passional da preamar; a mão-de-pilão das ondas na areia, moída e miúda, pilada do que pilar. O que o canavial não ensina ao mar: o desmedido do derramar-se da cana; o comedimento do latifúndio do mar, que menos lastradamente se derrama. João Cabral de Melo Neto

Princípios

Podíamos saber um pouco mais da morte. Mas não seria isso que nos faria ter vontade de morrer mais depressa. Podíamos saber um pouco mais da vida. Talvez não precisássemos de viver tanto, quando só o que é preciso é saber que temos de viver. Podíamos saber um pouco mais do amor. Mas não seria isso que nos faria deixar de amar ao saber exactamente o que é o amor, ou amar mais ainda ao descobrir que, mesmo assim, nada sabemos do amor. Nuno Júdice