Avançar para o conteúdo principal

Três Mulheres, poema a três vozes (II)

PRIMEIRA VOZ:
Estou calma. Estou calma. A calma que se sente antes
duma catástrofe:
O minuto gélido antes do vento entrar, quando as folhas se
reviram
E mostram a sua palidez. Está tudo tão calmo aqui.
Os lençóis, as faces lívidas e mudas, como relógios.
Vozes que se afastam e esmorecem ao loge. Os seus
hieróglifos
Transformam-se em biombos de pergaminho lutando contra
o vento.
Os segredos que se pintam em árabe e chinês!

Estou muda e escura. Sou uma semente prestes a explodir.
A escuridão vem do meu eu morto e é taciturna:
Não deseja ser mais, ou diferente.
O crepúsculo cobre-me de azul, agora, qual Maria.
Ó cor da distância e do esquecimento!-
Quando virá o momento em que o Tempo pare
E a eternidade o devore, e eu me afogue irremediavelmente?
Falo comigo mesma, apenas comigo, separada de tudo -
Esfregada com desinfectantes e lúgubre como para um
sacrifício.
A espera pesa-me nas pálpebras. Pesa-me como o sono,
Como um imenso mar. Ao longe, muito ao longe, sinto a
primeira onda
Descarregar a sua agonia contra mim, incontrlável, como
a maré.
E eu, concha ecoando nesta praia branca
Enfrento as vozes avassaladoras, o terrível elemento.

Sylvia Plath
traduzida por Ana Gabriela Macedo

Comentários

marta r disse…
Só há bem pouco tempo, tive ocasião de conhecer melhor Sylvia Plath. Gostei e gosto. Este poema só vem confirmar.

Mensagens populares deste blogue

XTERIORS XVII

  Desirée Dolron

Princípios

Podíamos saber um pouco mais da morte. Mas não seria isso que nos faria ter vontade de morrer mais depressa. Podíamos saber um pouco mais da vida. Talvez não precisássemos de viver tanto, quando só o que é preciso é saber que temos de viver. Podíamos saber um pouco mais do amor. Mas não seria isso que nos faria deixar de amar ao saber exactamente o que é o amor, ou amar mais ainda ao descobrir que, mesmo assim, nada sabemos do amor. Nuno Júdice

Uns cegos, outros surdos

gritas, gritam até que o outro ensurdeça,  até que fique com os pés presos na lama e se esgote. gritas, gritam palavras e frases de uma ordem estéril que nos matará. rasgam os pulmões com cânticos, alucinados,  com uma narrativa estúpida de quem nos crê estúpidos...e seremos? rangem os dentes,  soltam os caninos e farejam a hesitação com o dedo no gatilho, lambem-nos o medo na pele... abrem as gargantas de onde saem línguas como canos apontados ao nosso cérebro,  línguas sibilantes num hálito de enxofre, numa infindável oratória que nos queima a pele, nos rompe a mente. destroem o silêncio. gritam que somos vítimas,  as suas vítimas,  as legítimas,  enquanto desviam o olhar e fecham as órbitas embaciadas para que a realidade não os capture. gritam, gritam e gritam pois enquanto gritam não param,  não pensam, não deixam que ninguém pare, e ninguém pensa. embalam os corações nas bandeiras e nos hinos para conseguirem adormecer,  para que o sono...