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O poema

O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu
E passarei sozinha
Entre as mãos de quem lê

O poema alguém o dirá
Às searas

Sua passagem se confundirá
Como rumor do mar com o passar do vento

O poema habitará
O espaço mais concreto e mais atento

No ar claro nas tardes transparentes
Suas sílabas redondas

(Ó antigas ó longas
Eternas tardes lisas)

Mesmo que eu morra o poema encontrará
Uma praia onde quebrar as suas ondas

E entre quatro paredes densas
De funda e devorada solidão
Alguém seu próprio ser confundirá
Com o poema no tempo

Sophia de Mello Breyner Andresen

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Princípios

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Uns cegos, outros surdos

gritas, gritam até que o outro ensurdeça,  até que fique com os pés presos na lama e se esgote. gritas, gritam palavras e frases de uma ordem estéril que nos matará. rasgam os pulmões com cânticos, alucinados,  com uma narrativa estúpida de quem nos crê estúpidos...e seremos? rangem os dentes,  soltam os caninos e farejam a hesitação com o dedo no gatilho, lambem-nos o medo na pele... abrem as gargantas de onde saem línguas como canos apontados ao nosso cérebro,  línguas sibilantes num hálito de enxofre, numa infindável oratória que nos queima a pele, nos rompe a mente. destroem o silêncio. gritam que somos vítimas,  as suas vítimas,  as legítimas,  enquanto desviam o olhar e fecham as órbitas embaciadas para que a realidade não os capture. gritam, gritam e gritam pois enquanto gritam não param,  não pensam, não deixam que ninguém pare, e ninguém pensa. embalam os corações nas bandeiras e nos hinos para conseguirem adormecer,  para que o sono...